terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Fome (revisited)




Toda a minha vida
me mantive
pela fome.

Ela me revigorava,
nela achava a minha força
e a minha distinção.

Agora,
sacio-me
no remorso:

que abundância,
que fastio,
este sabor a terra,
a larva,
a decomposição.

Somente,
faço da indiferença
o meu vomitório.

sábado, 7 de setembro de 2024

As Flores do Mal

 


Também fucei nas suas grandes corolas, cativo da virulência do seu néctar. E quanto mais fundo fuçava, quanto mais fundo escavava, mais o seu segredo se ocultava por trás da seiva cada vez mais abundante, cada vez mais espessa, que o seu âmago inviolado segregava — inundando-me o rosto, escorrendo-me pelo queixo, entorpecendo-me os lábios e dispondo-me a procurar no crime a pacificação. As suas pétalas não têm viço, nenhum sol as enrubesceu. A elas, imolou a beleza todas as suas virtudes, e todas as fogueiras só aspiram à sua carne incombustível. Não têm espinhos, mas se as tentas colher, enredam-se umas nas outras, misturam os seus sabores e revelam-se os segredos que te recusaram, enquanto tu, excluído de tão angustiante liturgia, privado de tão aflitivo repasto, paralisado diante de tão impenetrável floresta, seguras com as forças que te restam a gadanha impotente, que viras contra ti.

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Judas

 

Judas, invejo a tua figueira e o teu mau nome. Invejo os vitupérios que te lançam e te enchem de uma saliva tão quente e tão humana, dessa humanidade que já nem cuidamos desprezar. Invejo o bafo das feras que te cobiçam a carne e cuja fome também conheci e nunca soube saciar. Invejo os escarros que te untam o cabelo para gáudio das varejeiras que ali se vêm acoitar. E invejo sobretudo o teu pecúlio: as tuas trinta moedas. Trinta moedas de ouro, de prata, de cobre ou de latão, qualquer metal corruptível que me sobrevivesse. Com elas, compraria o seu último beijo. E mais ninguém depois de mim o beijaria.