sábado, 19 de janeiro de 2019

Saint-John Perse (VII)


Canto para um Equinócio

Naquela noite trovejou, e nos túmulos, sobre a terra, ouvi ribombar
esta resposta ao homem, que foi breve, e não era senão fragor.

Amiga, a enxurrada do céu esteve connosco, a noite de Deus foi a nossa intempérie,
e o amor, por todo o lado, subia às suas nascentes.

Sei, vi: a vida sobe às suas nascentes, o relâmpago amontoa as suas ferramentas nas pedreiras abandonadas,
o pólen amarelo dos pinheiros acumula-se nas esquinas dos terraços,

e a semente de Deus vai juntar-se no mar às camadas malvas do plâncton.
Deus esparso junta-nos na diversidade.

*

Senhor, Dono do solo, vede como neva, e o céu é sem contraste, a terra isenta de toda a canga:
terra de Set e de Saúl, de Shi Huang Ti e de Quéops.

A voz dos homens está nos homens, a voz do bronze no bronze, e algures no mundo
onde o céu não teve voz e o século foi descuidado,

vem ao mundo uma criança de que ninguém conhece a raça ou a condição,
e o génio pela certa golpeia os lóbulos de uma fronte pura.

Ó Terra, nossa Mãe, não vos preocupeis com esta súcia: o século está preparado, o século é multidão, e a vida segue o seu curso.
Em nós eleva-se um canto que não conheceu nascente e que não terá estuário na morte:

equinócio da uma hora entre a Terra o homem.


Saint-John Perse, 1971.


*


Chant pour un équinoxe


L’autre soir il tonnait, et sur la terre aux tombes j’écoutais retentir
cette réponse à l’homme, qui fut brève, et ne fut que fracas.

Amie, l’averse du ciel fut avec nous, la nuit de Dieu fut notre intempérie,
et l’amour, en tous lieux, remontait vers ses sources.

Je sais, j’ai vu, la vie remonte vers ses sources, la foudre ramasse ses outils dans les carrières désertées,
le pollen jeune des pins s’assemble aux angles des terrasses,

et la semence de Dieu s’en va rejoindre en mer les nappes mauves du plancton.
Dieu l’épars nous rejoint dans la diversité.

*

Sire, Maître du sol, voyez qu’il neige, et le ciel est sans heurt, la terre franche de tout bât :
Terre de Seth et de Saül, de Che Houang-ti et de Cheops.

La voix des hommes est dans les hommes, la voix du bronze dans le bronze, et quelque part au monde
où le ciel fut sans voix et le siècle n’eût garde,

un enfant naît au monde dont on ne sait la race ni le rang,
et le génie frappe à coups sûrs aux lobes d’un front pur.

Ô Terre, notre Mère, n’ayez souci de cette engeance : le siècle est prompt, le siècle est foule, et la vie va son cours.
Un chant se lève en nous qui n’a connu sa source et qui n’aura d’estuaire dans la mort :

équinoxe d’une heure entre la Terre et l’homme.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Esclarecimento (a contragosto)

Tenho o maior respeito e consideração pelo trabalho do Miguel Serras Pereira, e não me parece justo - disse-o a quem de direito - o tratamento que tem merecido por parte do Diogo Vaz Pinto. Também já o disse a quem de direito que achei a crítica original deste último legítima e moderada.

Na ficha técnica da obra em causa, vem mencionado que os dois tradutores trabalharam com critérios diferentes (isto é, os seus), o que, de tão óbvio, bem podia ter sido omitido. O mesmo não é dizer que trabalharam «de costas voltadas». A atribuição das traduções vem discriminada no índice da obra, pelo que é bem explícito que cada tradutor é responsável pelas suas próprias traduções.

Sendo eu responsável pela tradução de pouco menos de metade dos textos poéticos constantes na edição, e tendo o Diogo Vaz Pinto feito sempre uma apreciação de conjunto, embora ilustrando a sua opinião apenas com trechos da responsabilidade do Miguel Serras Pereira, também a mim me parece tendenciosa a posição global do crítico.