segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Michel Houellebecq (I)


O amor, o amor

Num cinema porno, reformados ofegantes
Contemplavam, sem poderem acreditar,
As brincadeiras mal filmadas de dois casais lascivos;
Não havia argumento.

Aqui está, dizia para comigo, o rosto do amor,
O autêntico rosto.
Alguns são sedutores; esses seduzem sempre,
Os outros sobrenadam.

Não há destino nem fidelidade,
Mas corpos que se atraem.
Sem afecto e, sobretudo, sem piedade,
Joga-se e dilacera-se.

Alguns são sedutores, partindo muito amados;
Esses conhecerão o orgasmo.
Mas muitos estão lassos e nada têm a esconder,
Nem sequer os fantasmas;

Apenas uma solidão agravada pela alegria
Impúdica das mulheres;
Apenas uma certeza: «Isto não é para mim»,
Um pequeno drama obscuro.

Morrerão, é certo, um pouco decepcionados,
Sem ilusões líricas;
Praticarão a fundo a arte de se desprezarem;
Será mecânico.

Dirijo-me a todos os que nunca foram amados,
Aos que nunca souberam satisfazer-se;
Dirijo-me aos excluídos do sexo liberto,
Do prazer comum.

Nada temais, amigos, a vossa perda é mínima:
O amor não existe em lado nenhum.
É apenas um jogo cruel e vós as suas vítimas;
Um jogo de especialistas.

Michel Houellebecq, La Porsuite du Bonheur, 1997.
Tradução de João Moita

*

L’amour, l’amour

Dans un ciné porno, des retraités poussifs
Contemplaient, sans y croire,
Les ébats mal filmés de deux couples lascifs ;
Il n'y avait pas d'histoire.

Et voilà, me disais-je, le visage de l'amour,
L'authentique visage.
Certains sont séduisants ; ils séduisent toujours,
Et les autres surnagent.

Il n'y a pas de destin ni de fidélité,
Mais des corps qui s'attirent.
Sans nul attachement et surtout sans pitié,
On joue et on déchire.

Certains sont séduisants et partant très aimés ;
Ils connaîtront l'orgasme.
Mais tant d'autres sont las et n'ont rien à cacher,
Même plus de fantasmes ;

Juste une solitude aggravée par la joie
Impudique des femmes ;
Juste une certitude : « Cela n'est pas pour moi »,
Un obscur petit drame.

Ils mourront c'est certain un peu désabusés,
Sans illusions lyriques ;
Ils pratiqueront à fond l'art de se mépriser ;
Ce sera mécanique.

Je m'adresse à tous ceux qu'on n'a jamais aimés,
Qui n'ont jamais su plaire ;
Je m'adresse aux absents du sexe libéré,
Du plaisir ordinaire.

Ne craignez rien, amis, votre perte est minime :
Nul part l'amour n'existe.
C'est juste un jeu cruel dont vous êtes les victimes ;
Un jeu de spécialistes.

Michel Houellebecq, La Porsuite du Bonheur, 1997.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Habitarei o meu nome, Saint-John Perse


Amanhã nas livrarias, com selecção e tradução minhas.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Valery Larbaud (I)


A dádiva de si mesmo

Ofereço-me a cada um como recompensa;
Dou-a mesmo antes de a merecerem.

Há qualquer coisa em mim,
No fundo de mim, no centro de mim,
Qualquer coisa infinitamente árida
Como o cume das mais altas montanhas;
Qualquer coisa comparável ao ponto cego da retina,
E sem eco,
E contudo vê e escuta;
Um ser com vida própria, e que, no entanto,
Vive a minha vida, e ouve, impassível,
Toda a facúndia da minha consciência.

Um ser feito de nada, se tal é possível,
Insensível aos meus sofrimentos físicos,
Que não chora quando choro,
Que não ri quando rio,
Que não cora quando pratico um acto embaraçoso,
E que não geme quando o meu coração sangra;
Que permanece imóvel e não me dá conselhos,
Mas eternamente parece dizer:
«Aqui estou, indiferente a tudo.»

É talvez o vazio a ser o vazio,
Mas tão grande que o Bem e o Mal juntos
Não o preenchem.
Nele morre o ódio asfixiado,
E o maior amor nele não consegue penetrar.

Levem pois tudo de mim: o sentido destes poemas,
Não aquele que se lê, mas aquele que surge de viés apesar de mim:
Levem, levem, vocês não têm nada.
E onde quer que vá, em todo o universo,
Eu encontro sempre,
Tanto fora como dentro de mim,
O inesgotável Vazio,
O indomável Nada.

Valery Larbaud, A. O. Barnabooth, ses oeuvres complètes, 1913.

- trad. João Moita

*

Le don de soi-même

Je m'offre à chacun comme sa récompense ;
Je vous la donne même avant que vous l'ayez méritée.

Il y a quelque chose en moi,
Au fond de moi, au centre de moi,
Quelque chose d'infiniment aride
Comme le sommet des plus abruptes montagnes ;
Quelque chose de comparable au point mort de la rétine,

Et sans écho,
Et qui pourtant voit et entend ;
Un être ayant une vie propre, et qui, cependant,
Vit toute ma vie, et écoute, impassible,
Tous les bavardages de ma conscience.

Un être fait de néant, si c'est possible,
Insensible à mes souffrances physiques,
Qui ne pleure pas quand je pleure,
Qui ne rit pas quand je ris,
Qui ne rougit pas quand je commets une action honteuse,
Et qui ne gémit pas quand mon cœur est blessé ;
Qui se tient immobile et ne donne pas de conseils,
Mais semble dire éternellement :
"Je suis là, indifférent à tout".

C'est peut-être du vide comme est le vide,
Mais si grand que le Bien et le Mal ensemble
Ne le remplissent pas.
La haine y meurt d'asphyxie,
Et le plus grand amour n'y pénètre jamais.

Prenez donc tout de moi : le sens de mes poèmes,
Non ce qu'on lit, mais ce qui paraît au travers malgré moi :
Prenez, prenez, vous n'avez rien.
Et où que j'aille, dans l'univers entier,
Je rencontre toujours,
Hors de moi comme en moi,
L'irremplissable Vide,
L'inconquérable Rien.

Paul-Jean Toulet (I)


Romanças sem música

                               As três damas de Albi

b. Filippa, Faïs, Esclarmonde,
As mais raras, que pudéssemos ver,
                Beldades do mundo;

Mas tu mais pálida ainda por teres
corrido à luz da lua a outra noite
                nas quatro ruas,

Escuta: ao negro som das canções
Satã flagela as tuas irmãs nuas;
                Vem, e dancemos.

Paul-Jean Toulet, Les Contrerimes, 1921 (póstumo).

- trad. João Moita

*

Romances sans musique

                               Les trois dames d’Albi

b. Filippa, Faïs, Esclarmonde,
Les plus rares, que l’on put voir,
                Beautés du monde ;

Mais toi si pâle encor d’avoir
Couru la lune l’autre soir
                Aux quatrerues,

Écoute : au bruit noir des chansons
Satan flagelle tes sœurs nues ;
                Viens, et dansons.