segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Hans Magnus Enzensberger (II)

Outras Razões Para os Poetas Não Dizerem a Verdade

Porque o momento
em que a palavra feliz
é pronunciada
não é o momento de felicidade.
Porque o homem sedento
jamais apregoa a sua sede.
Porque proletariado é uma palavra
que não sairá da boca do proletariado.
Porque aquele que desespera
não sente vontade de dizer:
“Estou a desesperar”.
Porque orgasmo e orgasmo
ficam em galáxias diferentes.
Porque o moribundo,
longe de proclamar:
“Estou a morrer”, apenas liberta
um vago estertor
que não conseguimos compreender.
Porque são os vivos
que rebentam os ouvidos dos mortos
com as suas atrocidades.
Porque as palavras chegam sempre
demasiado tarde ou demasiado cedo.
Porque é sempre outra pessoa,
sempre outra pessoa,
que se encarrega de falar,
e porque aquele
de quem se fala
fica em silêncio.

Hans Magnus Enzensberger, The Sinking of the Titanic, 1980.

- trad. João Moita a partir da tradução inglesa do texto alemão feita pelo próprio autor



*

Further Reasons Why Poets Do Not Tell the Truth

Because the moment
when the word
happy
is pronounced
never is the moment of happiness.
Because the thirsty man
does not give mouth to his thirst.
Because
proletariat is a word
Which will not pass the lips of the proletariat.
Because he who despairs
does not feel like saying:
“I am desperate.”
Because orgasm and
orgasm
are worlds apart.
Because the dying man,
far from proclaiming:
“I die,” only utters
a faint rattle,
which we fail to comprehend.
Because it is the living
who batter the ears of the dead
with their atrocities.
Because words come always
too late or too soon.
Because it is someone else,
always someone else,
who does the talking,
and because he
who is being talked about,
keeps his silence.


Hans Magnus Enzensberger, The Sinking of the Titanic, 1980.

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