quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Antonio Gamoneda (XII)


O leite entra nas profundidades côncavas, o leite urdido nos rosados úberes de grandes vacas silenciosas. São torpes as vacas silenciosas. Fazem, porém, doação muito branca
à paixão enferma
de viver.

Viver: avançar cegamente
para o grande sono branco.

Suportado por mãos inocentes, sempre
o leite desce do cântaro habitado por sombras
até à fraternidade do pão no seu leito de vimes
e na sua descida traz uma assistência que convém ao cansaço
do nosso corpo transitivo.

                                                Jan Vermeer
pôs nas mãos de uma antiga rapariga
estas suaves matérias que nos perdoam e
nos permitem repousar vertebrados, desconhecer, mentir,
envelhecer,
ignorar por algum tempo a afiada pureza
dos limites.



Antonio Gamoneda, Canción Errónea
Tradução: João Moita

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