Nocturno
Ei-los maduros, esses frutos de um suspeitoso destino. Pelo nosso sonho gerados, pelo nosso sangue nutridos, e assombrando a púrpura das nossas noites, eles são os frutos da longa inquietação, eles são os frutos do longo desejo, eles foram os nossos mais secretos cúmplices e, tantas vezes à beira da confissão, arrancavam-nos para os seus fins ao abismo das nossas noites… Ao fogo do dia todo favor! ei-los maduros e sob a púrpura, esses frutos de um imperioso destino — Aí não está a nossa vontade.
Sol do ser, traição! Onde foi a fraude, onde foi a ofensa? onde foi a falta e qual é a tara, e o erro, qual foi ele? Retomaremos o tema desde a sua origem? reviveremos a febre e o tormento?… Majestade da rosa, não nos causas grande admiração: o nosso sangue prefere o que é mais amargo, os nossos cuidados o que é mais severo, as nossas estradas são pouco seguras, e profunda a noite de onde se extraem os nossos deuses. Rosas caninas e silvas negras povoam para nós as margens do naufrágio.
Ei-los amadurecendo, esses frutos de uma outra margem. «Sol do ser, cobre-me!» — palavra do desertor. E aqueles que o terão visto passar dirão: quem foi este homem, e qual a sua morada? Iria ele sozinho expor ao fogo do dia a púrpura das suas noites?… Sol do ser, Príncipe e Mestre! as nossas obras estão dispersas, os nossos trabalhos sem honra e os nossos trigos sem colheita: a atadeira de feixes espera no declinar da tarde. — Ei-los pintados com o nosso sangue, esses frutos de um suspeitoso destino.
No seu ritmo de atadeira de feixes vai a vida sem ódio nem resgate.
1972.
Saint-John Perse, Chant pour un Équinoxe
- trad. minha
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