terça-feira, 27 de maio de 2025

Que Túmulo em Que Talhão (revisited)


Tive a felicidade de poder rever a minha vila com olhos virgens. Foi uma bênção e uma sagração. Depois, voltou-se-me a gastar. Mas, por uns meses, ela apareceu-me como no sétimo dia da Criação. Tudo era estranheza e sobressalto. Eu era eu sem o que lá tinha sido. Não um estrangeiro, mas um filho da terra acabado de nascer, atirado para o Paraíso com tudo o que lá reluzia ou chamuscava, sem conhecimento de outro lugar ou de outro tempo. A criança que fui era contemporânea do adulto que estava a ser. Plácida planície sem constrições, tudo aberto a perder de vista: ao fundo, a intuição de umas montanhas, Serra d’Aire, Serra da Estrela, os Pirenéus, os Himalaias. Céus altos e vastidão. Naquele cenário, como admitir ser compelido por uma ideia, uma paixão, uma qualquer adesão, uma qualquer autoridade? Sabendo que depois da distância há mais distância? Horizonte tão inacessível que convidava à inacção. Se tivesse esperança de alcançar, esta tolher-me-ia os pés, e então lembrar-me-ia de tudo e tudo perderia o encanto. Por uns meses, fui feliz na minha terra. E só depois o soube.


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