Tive a felicidade de poder rever a minha vila com olhos
virgens. Foi uma bênção e uma sagração. Depois, voltou-se-me a gastar. Mas, por
uns meses, ela apareceu-me como no sétimo dia da Criação. Tudo era estranheza e
sobressalto. Eu era eu sem o que lá tinha sido. Não um estrangeiro, mas um
filho da terra acabado de nascer, atirado para o Paraíso com tudo o que lá
reluzia ou chamuscava, sem conhecimento de outro lugar ou de outro tempo. A
criança que fui era contemporânea do adulto que estava a ser. Plácida planície
sem constrições, tudo aberto a perder de vista: ao fundo, a intuição de umas
montanhas, Serra d’Aire, Serra da Estrela, os Pirenéus, os Himalaias. Céus
altos e vastidão. Naquele cenário, como admitir ser compelido por uma ideia,
uma paixão, uma qualquer adesão, uma qualquer autoridade? Sabendo que depois da
distância há mais distância? Horizonte tão inacessível que convidava à inacção.
Se tivesse esperança de alcançar, esta tolher-me-ia os pés, e então lembrar-me-ia
de tudo e tudo perderia o encanto. Por uns meses, fui feliz na minha terra. E
só depois o soube.
terça-feira, 27 de maio de 2025
Que Túmulo em Que Talhão (revisited)
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