quarta-feira, 31 de maio de 2023

Iluminações

Ódio à Poesia ou o Silêncio de Rimbaud (II)
(nova nota à margem de uma tradução)

Escrever. Que abjecção, que futilidade! Erguer bem alto a bandeira, tapar o sol com as nossas ignominiosas insígnias, na esperança de que outros bendigam tão insípida escuridão, prenhe de tão fátuos sentidos. Ou metê-la a meia haste, carregada de luto, confiantes na vocação vicária da manada de que nem sequer temos a coragem de nos tresmalhar, no enlevo de nos imaginarmos a liderar a debandada que nos arrasta, crendo serem chagas os rasgões dos cascos que nos pisam.
A inspiração, sim, essa é real. Por ela, valeria a pena morrer. Um instante de inspiração e seria a eternidade. A inspiração torna a escrita supérflua. Escrever o quê, para quê? Para redimir a redenção? Espúrias ilusões. Todo o escritor é um místico cobarde. Em pleno êxtase, põe-se a tergiversar. — Como Rimbaud, torna-te digno da inspiração!
E escreve, se não podes não escrever e se tens queda para a humilhação. Mas não esperes demasiado dos teus pecados. Eles não te abrirão as portas de nenhum céu. No máximo, poupar-te-ão a pele ao sol dos trópicos, conservar-te-ão intacta a planta dos pés. De resto, demasiado delicada para as grandes distâncias.
Se à noite as vires, às tuas «filhas», às tuas «rainhas», a esses «fantasmas do futuro luxo nocturno», fecha os olhos a tão detestável visão. Não te vás tornar vidente também.

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