domingo, 17 de novembro de 2019

A Antonio Gamoneda, Madrid, 8 de Novembro de 2013

Fotografia do arquivo familiar de Antonio Gamoneda


Madrid, 8 de novembro de 2013



Manhã fria por entre a cinza de um nevoeiro que paira muito acima das nossas cabeças e dos terraços habitados pelos pássaros elusivos do outono. Pelas calles vogam fantasmas com que transijo, e há nos passeios o lixo acumulado da desdita. Foi uma noite mais nas cidades do mundo, uma noite mais contra os atropelos da insónia. Aqui vim encontrar o que não me fora prometido: o respaldo de um velho poeta que soube transportar a sua cruz ressequida pela pobreza até a uma leira que a reverdecesse. Colho a flor do seu abraço e sigo o meu caminho na manhã renovada. À minha frente, guia-me o eco dos meus passos e rescende à madeira nova dos meus braços.


*


E a tarde é o espelho da manhã sob o escrutínio de um sol exangue. Uma ameaça de águas paira sobre as nossas cabeças, suspensa de uma mão enredada na teia fria das orações, a meio caminho entre o céu e os poços siderais da desesperança. Também eu teço o fio das minhas preces, faço o meu desespero participar da imobilidade. Penso com todo o peso da minha vida naquela que amo e na linha púrpura que a liga a outra vida que também é minha. Súbito, começa a chover.

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