Fotografia do arquivo familiar de Antonio Gamoneda |
Madrid, 8 de novembro de 2013
Manhã fria por entre a cinza de um nevoeiro
que paira muito acima das nossas cabeças e dos terraços habitados pelos
pássaros elusivos do outono. Pelas calles vogam fantasmas com que transijo,
e há nos passeios o lixo acumulado da desdita. Foi uma noite mais nas cidades
do mundo, uma noite mais contra os atropelos da insónia. Aqui vim encontrar o
que não me fora prometido: o respaldo de um velho poeta que soube transportar a
sua cruz ressequida pela pobreza até a uma leira que a reverdecesse. Colho a
flor do seu abraço e sigo o meu caminho na manhã renovada. À minha frente,
guia-me o eco dos meus passos e rescende à madeira nova dos meus braços.
*
E a tarde é o espelho da manhã sob o
escrutínio de um sol exangue. Uma ameaça de águas paira sobre as nossas
cabeças, suspensa de uma mão enredada na teia fria das orações, a meio caminho
entre o céu e os poços siderais da desesperança. Também eu teço o fio das minhas
preces, faço o meu desespero participar da imobilidade. Penso com todo o peso
da minha vida naquela que amo e na linha púrpura que a liga a outra vida que
também é minha. Súbito, começa a chover.
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