Reconheço-te ainda que te escondas sob a pele do ébano.
Finges amor até criares um verdadeiro amor
e estás a amar em mim. Reconheço-te.
Gemes como um cão ferido. Lembras-te
de quando te deitavas sobre o meu coração? Agora,
insone na morte, vieste
para comprar os meus olhos. Assim
é a tua causa, a tua astúcia curdistã.
Procuras os teus documentos incestuosos, as tuas profecias na virtude da epilepsia
e aquela sabedoria que permite
ser feliz no fogo.
Cunhavas moedas unicamente válidas
nos mercados de frutos e de trevas,
mas não adquiririas outros frutos a não ser os que ardem no corpo das tuas irmãs
e também e tão somente trevas maternais.
Ah os frutos e as trevas nas tuas mãos,
mercantilmente triste ou acidentalmente vivo
em Nova York ou Nasría.
És belo e horrível.
Tu induzes-me ao adultério com corpos esfolados
e à fornicação sobre a púrpura.
Não posso abandonar-te, no entanto, à tua própria inclemência:
estás a sonhar os meus sonhos
e amas em mim o que não é teu.
Bebeste em mananciais cegos e ergueste-te
na demência. Em rigor, não preciso de ti: há extravio suficiente em mim.
Mas tu és o meu sacramento negro, a última
substância das minhas veias.
Antonio Gamoneda, Canción Errónea
Tradução: João Moita
terça-feira, 12 de novembro de 2013
domingo, 10 de novembro de 2013
César Vallejo (I)
XIII
Pienso en tu sexo.
Simplificado el corazón, pienso en tu sexo,
ante el hijar maduro del día.
Palpo el botón de dicha, está en sazón.
Y muere un sentimiento antiguo
degenerado en seso.
Pienso en tu sexo, surco más prolífico
y armonioso que el vientre de la sombra,
aunque la muerte concibe y pare
de Dios mismo.
Oh Conciencia,
pienso, si, en el bruto libre
que goza donde quiere, donde puede.
Oh escándalo de miel de los crepúsculos.
Oh estruendo mudo.
¡Odumodneurtse!
XIII
Penso no teu sexo.
Simplificado o coração, penso no teu sexo,
ante a madura virilha do dia.
Apalpo o rebento da dita, está no ponto.
E morre um sentimento antigo
de degenerado siso.
Penso no teu sexo, sulco mais prolífico
e harmonioso que o ventre da sombra,
ainda que a morte conceba e germine
do próprio Deus.
Oh consciência,
penso, sim, no bruto livre
que goza onde quer, onde pode.
Oh escândalo de mel dos crepúsculos.
Oh estrondo mudo.
Odumodnortse!
César Vallejo, Trilce, 1922.
Tradução: João Moita
Pienso en tu sexo.
Simplificado el corazón, pienso en tu sexo,
ante el hijar maduro del día.
Palpo el botón de dicha, está en sazón.
Y muere un sentimiento antiguo
degenerado en seso.
Pienso en tu sexo, surco más prolífico
y armonioso que el vientre de la sombra,
aunque la muerte concibe y pare
de Dios mismo.
Oh Conciencia,
pienso, si, en el bruto libre
que goza donde quiere, donde puede.
Oh escándalo de miel de los crepúsculos.
Oh estruendo mudo.
¡Odumodneurtse!
XIII
Penso no teu sexo.
Simplificado o coração, penso no teu sexo,
ante a madura virilha do dia.
Apalpo o rebento da dita, está no ponto.
E morre um sentimento antigo
de degenerado siso.
Penso no teu sexo, sulco mais prolífico
e harmonioso que o ventre da sombra,
ainda que a morte conceba e germine
do próprio Deus.
Oh consciência,
penso, sim, no bruto livre
que goza onde quer, onde pode.
Oh escândalo de mel dos crepúsculos.
Oh estrondo mudo.
Odumodnortse!
César Vallejo, Trilce, 1922.
Tradução: João Moita
domingo, 3 de novembro de 2013
Guillaume de Machaut [séc. XIV]
[...]
Après ce, vint une merdaille
Fausse, traïtre et renoïe:
Ce fu Judée la honnie,
La mauvaise, la desloyal,
Qui bien het et aimme tout mal.
Qui tant donna d’or et d’argent
Et promist a crestienne gent,
Que puis, rivieres et fonteinnes
Qui estoient cleres et seinnes
En pluseurs lieus empoisonnerent,
Dont pluseurs leurs vies finerent;
Car trestuit cil qui en usoient
Assez soudeinnement moroient.
Dont, certes, par dis fois cent mille
En morurent, qu’a champ, qu’a ville,
Einsois que fust aperceüe
Ceste mortel descouvenue.
Mais cils qui haut siet et loing voit,
Qui tout gouverne et tout pourvoit,
Ceste traïson plus celer
Ne volt, eins la fist reveler
Et si generaument savoir
Qu’il perdirent corps et avoir.
Car tuit Juïf furent destruit,
Li uns pendus, li autres cuit,
L’autre noié, l’autre ot copée
La teste de hache ou d’espée.
Et meint crestien ensement
En morurent honteusement.
*
[...]
Posto o que, veio uma escumalha
Falsa, traidora e infame:
A Judiaria maldita,
A perversa, a desleal,
Que muito odeia e que ama o mal,
Que tanta prata e ouro deu
E promessas fez aos cristãos,
Para depois rios e fontes
Que límpidos corriam e sãos
Em vários lugares envenenarem,
Para muitos suas vidas perderem;
Que logo que alguém os buscava
Logo a morte súbita os tomava.
Pois que dez vezes cem mil vidas
Neles pereceram, no campo e na vila.
E assim foi sofrido
Este funesto infortúnio.
Mas o de alto assento e larga vista,
Que tudo governa e a tudo providencia,
A essa traição ocultar mais
Não quer, pois a fez revelar
E tão comummente saber
Que eles perderam corpo e fortuna.
Pois todo o Judeu foi destruído,
Enforcados uns, queimados outros,
A este afogaram, àquele deceparam
A cabeça com o machado ou com a espada.
E desta forma morreram também
Muitos cristãos dignos de desdém.
Guillaume de Machaut, Jugement du Roy de Navarre, 1349.
Tradução: João Moita
Après ce, vint une merdaille
Fausse, traïtre et renoïe:
Ce fu Judée la honnie,
La mauvaise, la desloyal,
Qui bien het et aimme tout mal.
Qui tant donna d’or et d’argent
Et promist a crestienne gent,
Que puis, rivieres et fonteinnes
Qui estoient cleres et seinnes
En pluseurs lieus empoisonnerent,
Dont pluseurs leurs vies finerent;
Car trestuit cil qui en usoient
Assez soudeinnement moroient.
Dont, certes, par dis fois cent mille
En morurent, qu’a champ, qu’a ville,
Einsois que fust aperceüe
Ceste mortel descouvenue.
Mais cils qui haut siet et loing voit,
Qui tout gouverne et tout pourvoit,
Ceste traïson plus celer
Ne volt, eins la fist reveler
Et si generaument savoir
Qu’il perdirent corps et avoir.
Car tuit Juïf furent destruit,
Li uns pendus, li autres cuit,
L’autre noié, l’autre ot copée
La teste de hache ou d’espée.
Et meint crestien ensement
En morurent honteusement.
*
[...]
Posto o que, veio uma escumalha
Falsa, traidora e infame:
A Judiaria maldita,
A perversa, a desleal,
Que muito odeia e que ama o mal,
Que tanta prata e ouro deu
E promessas fez aos cristãos,
Para depois rios e fontes
Que límpidos corriam e sãos
Em vários lugares envenenarem,
Para muitos suas vidas perderem;
Que logo que alguém os buscava
Logo a morte súbita os tomava.
Pois que dez vezes cem mil vidas
Neles pereceram, no campo e na vila.
E assim foi sofrido
Este funesto infortúnio.
Mas o de alto assento e larga vista,
Que tudo governa e a tudo providencia,
A essa traição ocultar mais
Não quer, pois a fez revelar
E tão comummente saber
Que eles perderam corpo e fortuna.
Pois todo o Judeu foi destruído,
Enforcados uns, queimados outros,
A este afogaram, àquele deceparam
A cabeça com o machado ou com a espada.
E desta forma morreram também
Muitos cristãos dignos de desdém.
Guillaume de Machaut, Jugement du Roy de Navarre, 1349.
Tradução: João Moita
sexta-feira, 1 de novembro de 2013
Claudio Rodríguez (V)
Siempre será mi amigo
Siempre será mi amigo será mi amigo no aquel que en primavera
sale al campo y se olvida entre el azul festejo
de los hombres que ama, y no ve el cuero viejo
tras el nuevo pelaje, sino tú, verdadera
amistad, peatón celeste, tú, que en el invierno
a las claras del alba dejas tu casa y te echas
a andar, y en nuestro frío hallas abrigo eterno
y en nuestra honda sequía la voz de las cosechas
*
Sempre será meu amigo
Sempre será meu amigo não aquele que na primavera
sai para o campo e se distrai por entre o azul festivo
dos homens que ama, e não vê a couraça velha
por baixo do novo pelame, mas tu, verdadeira
amizade, peão celeste, tu, que no inverno
sob a claridade da alba deixas a tua casa e te pões
a andar, e no nosso frio descobres abrigo eterno
e na nossa seca profunda a voz das colheitas.
Claudio Rodríguez, Conjuros
- trad. minha
Siempre será mi amigo será mi amigo no aquel que en primavera
sale al campo y se olvida entre el azul festejo
de los hombres que ama, y no ve el cuero viejo
tras el nuevo pelaje, sino tú, verdadera
amistad, peatón celeste, tú, que en el invierno
a las claras del alba dejas tu casa y te echas
a andar, y en nuestro frío hallas abrigo eterno
y en nuestra honda sequía la voz de las cosechas
*
Sempre será meu amigo
Sempre será meu amigo não aquele que na primavera
sai para o campo e se distrai por entre o azul festivo
dos homens que ama, e não vê a couraça velha
por baixo do novo pelame, mas tu, verdadeira
amizade, peão celeste, tu, que no inverno
sob a claridade da alba deixas a tua casa e te pões
a andar, e no nosso frio descobres abrigo eterno
e na nossa seca profunda a voz das colheitas.
Claudio Rodríguez, Conjuros
- trad. minha
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