terça-feira, 12 de novembro de 2013

Antonio Gamoneda (XI)

Reconheço-te ainda que te escondas sob a pele do ébano.
Finges amor até criares um verdadeiro amor
e estás a amar em mim. Reconheço-te.

Gemes como um cão ferido. Lembras-te
de quando te deitavas sobre o meu coração? Agora,
insone na morte, vieste
para comprar os meus olhos. Assim
é a tua causa, a tua astúcia curdistã.

Procuras os teus documentos incestuosos, as tuas profecias na virtude da epilepsia
e aquela sabedoria que permite
ser feliz no fogo.

Cunhavas moedas unicamente válidas
nos mercados de frutos e de trevas,
mas não adquiririas outros frutos a não ser os que ardem no corpo das tuas irmãs
e também e tão somente trevas maternais.

Ah os frutos e as trevas nas tuas mãos,
mercantilmente triste ou acidentalmente vivo
em Nova York ou Nasría.

                                    És belo e horrível.
Tu induzes-me ao adultério com corpos esfolados
e à fornicação sobre a púrpura.

Não posso abandonar-te, no entanto, à tua própria inclemência:
estás a sonhar os meus sonhos
e amas em mim o que não é teu.

Bebeste em mananciais cegos e ergueste-te
na demência. Em rigor, não preciso de ti: há extravio suficiente em mim.

Mas tu és o meu sacramento negro, a última
substância das minhas veias.


Antonio Gamoneda, Canción Errónea
Tradução: João Moita

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