Foi escrita por Rui Carneiro e pode ser lida aqui:
"The Daughters Of Lot, banda que junta cinco músicos de Alpiarça, e que conta já com três anos nestas lides, apresenta, depois de um interregno devido à saída do baixista, o EP de estreia: “Sulfur Rain Pours Onto Our Souls”.
De um cardápio que, possivelmente, não para de crescer, os músicos selecionaram três temas para este EP. As honras de abertura cabem a “The Suffering”, composição que, partindo de uma toada de melopeia saturniana, rapidamente evolui para uma sistematização cada vez mais presente e insinuante da paleta instrumental burilada por Miguel Fernandes, o “artifex” da banda. Não há barreiras na tessitura musical dos TDOL, até porque aquilo que flui do jogo de sedução entre voz e instrumentos é o desejo libidinoso pela desconstrução e eterna reformulação das linhas rítmicas e melódicas que radicam, evoluem e fenecem ao longo das pulsões e circunvalações de uma catarse feita de silêncios, interlúdios e irrupções, fulcro e ocaso de uma imagética em que “o prazer é uma deformação da dor”
A próxima, “The Edge Of a Lie”, confirma desígnios musicais que a banda classifica como “progressivos”, uma vez que é notória a preocupação em complexificar cada um destes “episódios”, construindo algo que se assemelha a uma filigrana musical, tal é o rigor no processo criativo, lapidando cada instante com a minúcia que o ourives dedica a uma jóia requintada.
“Sanctuary” encerra este tríptico musical, descarregando um manifesto de rock corrosivo. Miguel Fernandes puxa o som da bateria para a frente, violentando peles e tímpanos. As guitarras, que anteriormente deambulavam por paisagens etéreas e atmosféricas, ganham agora contornos ásperos e virulentos, semeando ondas de distorção em arrojos fulgurantes, voluptuosos e tonitruantes.
Assim sendo, a música dos TDOL parece comungar da conotação genesíaca que preside ao episódio bíblico que dá nome à banda. Profundamente humana, e por isso fatalmente marcada pelo desejo de transgressão, de consumação exacerbada da nossa volúpia ôntica: “As filhas de Lot fundam o seu território no enclave do desejo com o estímulo. O ébrio é para elas apurador de pulsões: transmissão e transfusão. As filhas de Lot privilegiam a obscuridade e mergulham o seu afecto nas próprias transgressões. Elas preparam a iridescência do que devém, são da ordem do fantasmático.” Na fração nebulosa, abismal e nefelibata, entre a perceção e a sensação, no limbo etéreo entre o sensível e o onírico evolui esta fantasmagoria musical: “Depois do incesto, enquanto o seu pai dorme, as filhas de Lot, nuas, sentam-se junto ao fogo e olham-se. A troca de olhares resulta em música.” Processo transfigurativo, o corpo do outro, maculado pela corrupção do desejo carnal, resolve-se sinestesicamente através da visão oblíqua do “eu” no “outro”, processo demiúrgico e dionisíaco que cria a arte.
Recordamos, a propósito, e para finalizar, as palavras do poema de Fernando Pessoa:
«Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é»"
De um cardápio que, possivelmente, não para de crescer, os músicos selecionaram três temas para este EP. As honras de abertura cabem a “The Suffering”, composição que, partindo de uma toada de melopeia saturniana, rapidamente evolui para uma sistematização cada vez mais presente e insinuante da paleta instrumental burilada por Miguel Fernandes, o “artifex” da banda. Não há barreiras na tessitura musical dos TDOL, até porque aquilo que flui do jogo de sedução entre voz e instrumentos é o desejo libidinoso pela desconstrução e eterna reformulação das linhas rítmicas e melódicas que radicam, evoluem e fenecem ao longo das pulsões e circunvalações de uma catarse feita de silêncios, interlúdios e irrupções, fulcro e ocaso de uma imagética em que “o prazer é uma deformação da dor”
A próxima, “The Edge Of a Lie”, confirma desígnios musicais que a banda classifica como “progressivos”, uma vez que é notória a preocupação em complexificar cada um destes “episódios”, construindo algo que se assemelha a uma filigrana musical, tal é o rigor no processo criativo, lapidando cada instante com a minúcia que o ourives dedica a uma jóia requintada.
“Sanctuary” encerra este tríptico musical, descarregando um manifesto de rock corrosivo. Miguel Fernandes puxa o som da bateria para a frente, violentando peles e tímpanos. As guitarras, que anteriormente deambulavam por paisagens etéreas e atmosféricas, ganham agora contornos ásperos e virulentos, semeando ondas de distorção em arrojos fulgurantes, voluptuosos e tonitruantes.
Assim sendo, a música dos TDOL parece comungar da conotação genesíaca que preside ao episódio bíblico que dá nome à banda. Profundamente humana, e por isso fatalmente marcada pelo desejo de transgressão, de consumação exacerbada da nossa volúpia ôntica: “As filhas de Lot fundam o seu território no enclave do desejo com o estímulo. O ébrio é para elas apurador de pulsões: transmissão e transfusão. As filhas de Lot privilegiam a obscuridade e mergulham o seu afecto nas próprias transgressões. Elas preparam a iridescência do que devém, são da ordem do fantasmático.” Na fração nebulosa, abismal e nefelibata, entre a perceção e a sensação, no limbo etéreo entre o sensível e o onírico evolui esta fantasmagoria musical: “Depois do incesto, enquanto o seu pai dorme, as filhas de Lot, nuas, sentam-se junto ao fogo e olham-se. A troca de olhares resulta em música.” Processo transfigurativo, o corpo do outro, maculado pela corrupção do desejo carnal, resolve-se sinestesicamente através da visão oblíqua do “eu” no “outro”, processo demiúrgico e dionisíaco que cria a arte.
Recordamos, a propósito, e para finalizar, as palavras do poema de Fernando Pessoa:
«Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é»"
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