quarta-feira, 18 de maio de 2011

Antonio Gamoneda (VII)

Depois de assistires à execução das cotovias desceste ainda até divisares teu rosto dividido entre a água e a profundidade.

Debruças-te sobre a tua própria beleza e com os teus dedos ágeis acaricias a pele da mentira:

ah tempestade de ouro nos teus ouvidos, mastros na tua alma, profecias…

Mas as formigas aproximam-se das tuas chagas e ali procriam sem descanso

e há enxofre nos cálices onde devia fermentar a misericórdia.


É esbelta a sombra, belo o abismo:

tem cuidado, meu filho, com certas asas que te roçam o coração.


Antonio Gamoneda, Lápidas, 1977-86 e 2003.
- tradução minha -

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