terça-feira, 29 de novembro de 2011

Emily Dickinson IX

You'll know it — as you know 'tis Noon —
By Glory —
As you do the Sun —
By Glory —
As you will in Heaven —
Know God the Father — and the Son.

By intuition, Mightiest Things
Assert themselves — and not by terms —
"I'm Midnight" — need the Midnight say —
"I'm Sunrise" — Need the Majesty?

Omnipotence — had not a Tongue —
His lisp — is Lightning — and the Sun —
His Conversation — with the Sea —
"How shall you know"?
Consult your Eye!
*

Sabê-lo-ás – Tal como sabes que é Meio-Dia –
Pela sua Glória –
Como sabes do Sol –
Pela sua Glória –
Como no Céu –
Saberás Deus o Pai – e o Filho.

Pela intuição, as Coisas Imensas
Revelam-se – e não pelas premissas –
“Sou a Meia-noite” – precisa a Meia-noite de dizer? –
“Sou o Nascer do Sol” – Precisa sua Majestade?

Se Omnipotência – não tivesse Língua –
Ceceante – seria o Relâmpago – e o Sol? –
A sua Conversa – com o Mar –
“Como a conheceríamos”?
Pergunta ao teu Olho!


Emily Dickinson
- trad. minha

sábado, 19 de novembro de 2011

Emily Dickinson VIII

Some keep the Sabbath going to Church -
I keep it, staying at Home -
With a Bobolink for a Chorister -
And an Orchard, for a Dome -

Some keep the Sabbath in Surplice -
I just wear my Wings -
And instead of tolling the Bell, for Church,
Our little Sexton - sings.

God preaches, a noted Clergyman -
And the sermon is never long,
So instead of getting to Heaven, at last -
I'm going, all along.


*

Alguns cumprem o Sabbath indo à Igreja -
Eu cumpro-o ficando em Casa -
Com um Tordo por Corista -
E uma Orquídia a fazer de Cúpula -

Alguns cumprem o Sabbath de Batina -
Eu visto apenas as minhas Asas -
E em vez de tanger o Sino para a Celebração,
O nosso pequeno Sacristão – canta.

Deus prega, um Clérigo notável -
E o sermão nunca é muito longo,
E assim em vez de ir para o Céu, no fim -

Desde sempre estou indo.

Emily Dickinson
- trad. minha

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Emily Dickinson VII


Many a phrase has the English language –
I have heard but one –
Low as the laughter of a Cricket,
Loud, as the Thunder's Tongue –

Murmuring like old Caspian Choirs,
When the Tide's a' lull –
Saying itself in new inflection –
Like a Whippoorwill –

Breaking in bright Orthography
On my simple sleep –
Thundering its Prospective –
Till I stir, and weep –

Not for the Sorrow, done me –
But the push of joy –
Say it again, Saxon!
Hush – Only to me!

*

Muitas frases tem a língua Inglesa –
Mas só uma ouvi – 

Funda como o gargalhar de um Grilo –
Estrepitosa como a Língua do Trovão –

Sussurrante como os antigos Coros Cáspios
Quando as Marés serenam –
Dizendo-se a si mesmas em nova inflexão –
Como um Noitibó –

Surgindo em luminosa Ortografia
No meu sono leve –
Bradando a sua Expectativa –
Até eu me mexer, e chorar –

Não de Mágoa –
Mas do apertão da Alegria –
Di-la de novo, Saxão!
Depressa – Só para mim!


Emily Dickinson
- trad. minha

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Emily Dickinson VI

THESE are the days when Birds come back -
A very few - a Bird or two -
To take a backward look.

These are the days when skies resume
The old - old sophistries of June -
A blue and gold mistake.

Oh fraud that cannot cheat the Bee,
Almost thy plausibility
Induces my belief.

Till ranks of seeds their witness bear-
And softly through the altered air
Hurries a timid leaf.

Oh, sacrament of summer days,
Oh, last communion in the Haze -
Permit a child to join.

Thy sacred emblems to partake -
Thy consecrated bread to take
And thine immortal wine!

*

Estes são os dias em que os Pássaros regressam –
Pouquinhos – um Pássaro ou dois –
Para darem uma olhada no que ficou para trás.

Estes são os dias em que os céus retomam
Os velhos – velhos sofismas de Junho –
Um equívoco dourado e azul.

Oh fraude que não engana a Abelha –
Quase que a tua plausibilidade
Induzia a minha crença.

Até que renques de sementes seu testemunho dão –
E suavemente pelo céu revolvido
Apressa-se uma folha tímida.

Oh Sacramento dos dias de verão,
Oh Última Comunhão na Névoa –
Deixai que uma criança se junte.

Dos vossos emblemas sagrados partilhar –
Do vosso pão consagrado repartir
E do vosso vinho imortal!

Emily Dickinson
-trad. minha

domingo, 6 de novembro de 2011

Leopoldo María Panero (I)


Infierno y paraíso

«allá estará también la castañera
de ocho pares,
y el humo de los céntimos, y el vaho en los bolsillos»

Leopoldo Panero "Escrito a cada instante"

Pero no sólo los mendigos, padre, van al paraíso
van también aquellos que aun más asco dan
también estos mendigos del ser que acezan
a la puerta del manicomio
esas caricaturas humanas, tal como esta
que Alicia se piensa en el
jardín no
humano de las flores
y quisiera destruir el universo
porque si hay algún monstruo, éste es la desgracia
y la única injusticia que existe es la injusticia evidente
y si hay alguna moral, ésta es la moral del desastre.

*
Inferno e paraíso

«ali estará também o castanheiro
de oito pares,
e o fumo dos cêntimos, e o vapor nos bolsos”

Leopoldo Panero "Escrito a cada instante"


Mas não são só os mendigos, pai, que vão para o paraíso
vão também aqueles que metem
mais nojo ainda
também esses mendigos do ser que arquejam
à porta do manicómio
essas criaturas humanas, tal como esta
que Alice julga ser no
jardim não
humano das flores
e que queria destruir o universo
porque se existe algum monstro, é o monstro da desgraça
e a única injustiça que existe é a injustiça evidente
e se há alguma moral, é a moral do desastre.

Leopoldo María Panero
- trad. minha

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Textos e Pretextos 14 - Ensaio de Fernanda Gil Costa sobre "O vento soprado como sangue"

[Saiu recentemente o nº 14 da revista TEXTOS E PRETEXTOS, no qual consta o ensaio da Fernanda Gil Costa sobre o meu primeiro livro, O vento soprado como sangue, que em baixo se reproduz.]

«1- Sem surpresa convivi com poetas. Os professores primeiro, logo no liceu, mais tarde na faculdade. Depois vieram os colegas que em alguns casos eram também ex-professores. Foi sempre uma relação natural e gratificante, como se a vida só fizesse sentido quando os poetas - e não só as palavras que nos entregam – entram por vezes na sala de encontros e desencontros, fazem parte das noites de boémia, tocam à campainha da porta ou ao telefone.
Mas nunca tinha tido um aluno que fosse poeta até encontrar o João Moita (e isso não significa que não tivesse lido poemas escritos por outros); com ele foi diferente deste o princípio porque nunca ensaiou pose de poeta. Escolheu curiosamente o papel de aluno distante mas divertido, difícil de ‘apanhar’, embora nas aulas acabasse sempre por responder às perguntas que causavam a cansativa mudez de tantos, com o desembaraço de quem interroga a banalidade das perguntas e das inevitáveis respostas.
Lembro-me também de ele ter interrompido a apresentação de um programa de semestre porque não integrava nomes de poetas nem livros de poesia. Apresentei um argumento qualquer que ele aceitou pelo menos em parte, mas não eu. A ausência de poetas e poesia num programa de literatura portuguesa tem apenas a ver (no meu caso) com a difícil negociação de interessar por poesia alunos que têm dificuldade em ler/dizer textos em voz alta, fazer aceitar que se pode escrever (e ler) apenas para que as palavras vibrem, entrem no ouvido como víboras bífidas e benignas, abram portas de casas há muito inabitadas. Há outros episódios, mas não interessa.
Quando o João me enviou o primeiro poema, que ainda guardo, senti a marca (pessoal, intransmissível) da sua capacidade de ins-crição. Poucos meses depois tinha publicado um livro de poesia que não o tornou famoso, mas isso é comum. Mesmo entre os que lêem não há muito tempo para a poesia e encontrar um novo poeta é tão difícil nas folhas da crítica especializada como nas secções de poesia das livrarias.
O João é um poeta de voz inquietante, dicção vibrante, intensa e tensa.

2 -O título do seu livro – O Vento Soprado como Sangue – deixa transparecer a vibração do seu encontro com a palavra, por vezes arrepiante, à beira do insustentável “para que nenhuma palavra seja o frio nexo da loucura/ ou o vento soprado como sangue” (X). Como valter hugo mãe recorda no posfácio: “Há homens que precisam de castigar o mundo.” E poderá a propósito convocar-se Kafka quando afirmava que um livro deve ser como um machado que quebra o mar gelado que há em nós.
O livro de JM está dividido em duas secções, “Sangue” e “Vento”, cada uma delas composta por 16 poemas. A completa liberdade/irregularidade do verso submete-se, pois, a uma inesperada simetria da composição. Na primeira secção – “Sangue”, a linguagem é por vezes performativa, eu e tu confrontam-se e estruturam ainda a enunciação:

Ainda que demores e eu já não te espere,
Ainda que as minhas mãos se esvaziem de compaixão
(...)
ainda assim,
se viesses,
repartiríamos o meu pão,
beberíamos o meu vinho
e dormiríamos sobre o chão da minha vida- (I)


As imagens sublinham a materialidade do corpo, da sua solidão, e a proximidade da ferida e do sangue, a(s) “lâmina(s)” , a “faca”, o “cinzel” ou a “foice”, que vão construindo a idéia do sacrifício: “de cada vez que um de nós morre/há uma faca apontada às jugulares” (...) porque “há-de haver um corpo que transite de alma em alma”. Tal parece ser o sacrifício, feito de esquecimento e transmutação, de silêncio e imprecação. Feito igualmente de uma entrega:

Comecemos pela dádiva:
Eis a língua exaurida,
Eis o esquecimento. (...) (II)

O esquecimento lavra como um fogo em mim.
Eu ladro para a noite dos mortos,
E quando esqueço, eles lavram a noite em mim. (VI)

Procura-se o regime absoluto da palavra, a sua total imprevisibilidade de silêncio e deslumbramento (XVI). Assinale-se, mero exemplo, a aliteração de ‘ladrar’ e ‘lavrar’, sendo o primeiro verbo um enunciado do sujeito lírico (‘eu ladro’) enquanto o segundo é remetido para a terceira pessoa (‘eles [os mortos] lavram a noite em mim’), por forma a rejeitar a harmonia assonante, dilacerar o eco decorativo da aliteração. Por isso, o verso é definido como um limite inegociável:

Um verso implacável
Com a têmpera do diamante,
Com a agudeza de um vértice,
A precisão do bisturi,
Na sombra do mundo. (XIV)


O léxico desta poesia é de uma coerência intransigente, invoca-se um percurso que elabora em metáforas de aguda e cortante alquimia um ritual de passagem do eu-tu ao nós, finalmente ao eu solitário (“e eu que sou o sopro e o sentido”, XV) e inclemente: “até aconchegar o silêncio ao meu grito desmedido” (XV). Viagem ainda incompleta, metamorfose sem estádio definitivo, “Sangue” termina com a anáfora que introduz o pressentimento da mudança: “há-de haver um corpo que transite”... /”há-de haver uma voz desvairada”.../, enquanto reafirma a relativa insuficiência da mudança: “Por agora não sei como tocar a distância de onde nos falam”(XVI).

Em “Vento”, o lexema “palavra” surge quase sempre no primeiro verso, por vezes no segundo ou terceiro. Ela é o tópico incontornável que encontra na cópula o acesso possível: “A palavra é a matéria do inabitável.” (X); “A palavra é a sinapse do mundo” (XI). O eu resiste apenas na segunda estrofe do primeiro poema, depois só a palavra é sujeito de definição e acção. Vejamos:

Porque eu alimento-me do esquecimento
Como se o crime ou a diáspora
Recolhessem os despojos da oxidação
Enquanto a língua se fere para uma revelação mais pura (I).

Declinando-se obsessivamente, re-afirma-se na especulação, que é também repetição, fuga melódica e especularidade: “A palavra é um leque metálico aberto à pulsação do mundo./Eis como ela cinde o cristal no seu centro nulo”(II). E ainda: “A palavra freme como um animal/ varado por um nervo retráctil. Todo o movimento é a linguagem lancetada” (V).
A enunciação ostensivamente impessoal de “Vento” reinscreve as imagens mais obsidiantes de “Sangue”: a lâmina, o sangue, o metal, a máquina, o mecânico – “A palavra é um martelo especular/forjando o próprio reflexo.” (XV)

A palavra configura a sua própria evasão.
Ela distende o sopro com que exalta as hélices
Sobre a ausência.
A exuberância é a sua força coerciva. (XII)


3- A poesia não se explica, dá-se a ler no sentido mais literal da sua oferta. Abre o espaço da folha branca à mancha irregular do poema que sucumbe ao ritmo, se abandona à citação. A exuberância de JM é também rigor, um rigor de morte, de limite impermeável à tradução e à paráfrase, agita o ar da (minha) casa do ser contra a apatia, clama por repulsa, raiva, resposta.
É que a poesia vive para a resposta, para o eco. Por isso, é difícil ser indiferente à poesia de JM. A sua interpelação vive da explosão permanente, explora o paradoxo, redime a insalubridade. Um novo livro de poemas – Miasmas - está pronto. Mais difícil, mais exigente, porventura mais erecto que o primeiro, aparentemente mais disfórico, reintegra afinal os temas enunciados em O Vento Soprado como Sangue (num número igual de poemas), re-diz o percurso do corpo à palavra, do bios ao logos. O poeta aperta o seu círculo de rigor, o ostinato rigore que foi título de um livro de Eugénio de Andrade: - “Há uma voz que encanto a golpes e blasfémias/e que transluz nocturna, /voz-napalm que estendo como corda./Eu venho açular os maxilares contra a palavra/a palavra com sangue/ a palavra sangue” (inédito). O sujeito da enunciação abdica da impessoalidade de “Sangue”, emerge como Eu – torna-se bio(s)grafia.

A minha veia poética é alimentada a seringas
do alto da contrição.
Excita-me o que me definha.
O meu coração encolhe se usado como símbolo:
esta é a parábola da compensação.
(inédito)

Nestes versos, creio, condensa-se a poética de JM. “A utopia, portanto, será, a meu ver,” escreve valter hugo mãe, “um tópico essencial para se perceber o frémito desta poesia”. Por isso, também, “Em nome de nada. / Do êxtase recolho a nova moral.”/ - confessa JM no final de Miasmas, em que o contágio de algo inominável, visceral, violento se impõe em nome de um destino que é ao mesmo tempo urgência e fatalidade, vida e morte, deslumbramento e sacrifício.
Além destes dois livros o João também tem uma história na blogo-esfera. Uma história dirigida a vários espaços de ‘acolhimento’ (palavra importante na nossa conversa) comprometidos com as artes (performativas) do nosso tempo. Dos vários testemunhos que aí se encontram, saídos da ferida da leitura que é também a da escrita, escolho um dos que ele enviou para a minha caixa de correio, um tema persistente da memória paradoxal das nossas perdas, da perplexidade que nos interpela pelo lado da cegueira.

Por ter os pés furados chamaram-me Édipo.
Pregaram-me na cruz
porque amei o meu pai e matei a minha mãe.
(inédito)

Fernanda Gil Costa

26/03/2010»

domingo, 4 de setembro de 2011

Antonio Gamoneda (IX)


É ele, o pão e o esquecimento;
água de juventude; sobrepõe-se
a toda a divisão. Um deus antigo
abre as veias no meu sangue e flui
até cansar o meu coração. O sumo
da serenidade ferve na minha boca;
sorvo o segredo com a língua, mas
mais me sorve ele a mim. Ramos tranquilos
vergam o mosto até aos meus lábios. Ele
usurpa a morte dos meus ossos. Fala
como um melro disperso e todo o bosque
abre os seus frutos e os mananciais
manam lentos em mim. Chorando porém.


Antonio Gamoneda
De Isentos II
Paixão do olhar
[1963-1970 e 2003]

- tradução minha