O Naufrágio do Titanic
Canto Primeiro
Alguém escuta, espera,
sustém a respiração, perto,
aqui. Diz: esta é a minha voz.
Jamais, diz ele,
regressará esta calmaria,
este tempo quente e seco.
Ecoa-se a si mesmo
na sua cabeça gorgolejante.
Diz: além de mim, não há ninguém
aqui. Esta deve ser a minha voz.
Espero, sustenho a respiração,
escuto. O rumor distante
nos meus ouvidos, antenas
de carne macia, nada significa.
É apenas o bater
do sangue nas minhas veias.
Durante muito tempo esperei,
sustendo a respiração.
Ruído branco nos receptores
da minha máquina do tempo.
Estática cósmica muda.
Ninguém vem ou pede ajuda.
Nenhum sinal de rádio.
Ou isto é o fim,
digo, ou ainda nem
chegámos a começar.
Aqui estamos! Agora!
Algo que arranha. Um rangido. Um rasgão.
É agora. Uma unha gélida
raspa na porta e pára imediatamente.
Algo cede.
O som de uma tela,
de uma alva faixa de linho
a ser rasgada, devagar primeiro,
a pouco e pouco mais bruscamente
até se dividir em dois com um silvo.
Isto é o princípio.
Escutem! Não ouvem?
Segurem-se, por amor de Deus!
E depois silêncio novamente.
Apenas o tilintar da louça
nos armários,
um estremecimento de cristal,
cada vez mais suave,
e desaparece.
Queres dizer que isto
foi tudo?
Sim. Foi tudo.
Isto foi o princípio.
O princípio do fim
é sempre discreto.
São agora 23h40
a bordo. Há um golpe
de duzentas jardas
debaixo da linha de água
no casco laminado, aberto
por uma gigantesca faca.
A água infiltra-se
nas divisórias.
Trinta jardas acima do nível do mar
Impassível o iceberg passa,
desliza além do navio resplandecente
e desaparece na escuridão.
Hans Magnus Enzensberger, The Sinking of the Titanic, 1980.
- trad. João Moita a partir da tradução inglesa do texto alemão feita pelo próprio autor
*
The Sinking of the Titanic
First Canto
There is someone who listens, who waits,
holds his breath, very close by,
here. He says: This is my voice.
Never again, he says,
it is going to be as quiet,
as dry and warm as it is now.
He hears himself
in his gurgling head.
He says: There is no one here
but me. This must be my voice.
I wait, I hold my breath,
I listen. The distant rumor
in my hear, antennae
of soft flesh, means nothing.
It is just the beat
of my blood on the veins.
I have been waiting for a long time,
holding my breath.
White noise in the earphones
of my time machine.
Mute cosmic static.
Nobody knocks or cries for help.
No radio signal.
Either this is the end,
I tell myself, or else
we have not yet begun.
Here we are! Now!
A scraping sound. A creaking. A crack.
This is it. An icy fingernail
scratching at the door and stopping short.
Something gives.
An endless length of canvas,
a snow-white strip of linen
being torn, slowly at first
and then more and more briskly
being rend in two with a hissing sound.
This is the beginning.
Listen! Don’t you hear it?
Hold fast, for God’s sake!
Then there i silence again.
Only a thin tinkle is to be heard
in the cupboards,
a trembling of crystal,
more and more faintly
and dying away.
Do you mean to say
that was all?
Yes. We’ve had it.
This was the beginning.
The beginning of the end
is always discreet.
It is now 11:40 p.m.
on board. There is a gash
of two hundred yards
underneath the waterline
in the steel-plated hull, slit
by a gigantic knife.
The water is rushing
into the bulkheads.
Thirty yards above sea level
the iceberg, back and silent, passes,
glides by the glittering ship,
and disappears in the dark.
Hans Magnus Enzensberger, The Sinking of the Titanic, 1980.
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