segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Alejandra Pizarnik (I)

16

construíste a tua casa
emplumaste os teus pássaros
golpeaste o vento

terminaste sozinha
o que ninguém começou
 
Alejandra Pizarnik
- trad. minha

sábado, 4 de agosto de 2012

Wistawa Szymborska (II)

A mulher de Lot

Dizem que olhei para trás por curiosidade.
Mas podem ter sido outras as razões.
Olhei para trás lamentando a perda do meu vaso de prata.
Descuidada, enquanto atava as sandálias.
Para que parasse de contemplar a nuca virtuosa
do meu marido, o pescoço de Lot.
Por causa da súbita convicção de que se eu caísse morta
ele nem sequer vacilaria.
Por causa da desobediência dos humildes.
Para certificar que não estávamos a ser seguidos.
Abalada pelo silêncio, acreditando que Deus mudasse de ideias.
As nossas duas filhas já tinham desaparecido atrás da colina.
Senti a idade dentro de mim. Distância.
A futilidade da peregrinação. Torpor.
Olhei para trás pousando o alforje.
Olhei para trás por não saber onde pôr os pés.
Serpentes apareceram no caminho,
aranhas, ratos do campo, abutres.
Não eram nem bons nem maus – cada ser vivo
arrastava-se simplesmente ou esperava com a mole em pânico.
Olhei para trás em desolação.
Com a vergonha de termos roubado.
Querendo chorar, ir para casa.
Ou apenas porque uma rajada de vento
despenteou-me o cabelo e levantou-me vestido.
Parecia que nos estavam a observar dos muros de Sodoma
rebentando em estrondosas gargalhadas uma e outra vez.
Olhei para trás em fúria.
Para saborear o seu terrível destino.
Olhei para trás por todas estas razões.
Olhei para trás involuntariamente.
Apenas porque uma pedra resvalou-me debaixo dos pés, rosnando para mim.
Por causa de uma súbita quebra no trilho.
Um roedor cambaleou nas suas patas dianteiras sobre o precipício.
Foi então que ambos olhámos para trás.
Não, não. Eu corri,
eu rastejei, eu levitei
até que a escuridão caiu dos céus
e com ela granizo abrasador e pássaros mortos.
Não conseguia respirar e girava e girava.
Quem quer que me visse pensaria que estava a dançar.
Não é inconcebível que os meus olhos estivessem abertos.
É possível que tenha caído encarando a cidade.




Wistawa Szymborska
- trad. minha a partir da versão em inglês de Stanislaw Baranczak e Clare Cavanagh

Wistawa Szymborska (I)

Nota de agradecimento

Devo tanto
àqueles que não amo.

O alívio com que reconheço
que eles são mais importantes para outros.

A felicidade de não ser
o lobo para as suas ovelhas.

A paz que sinto ao pé deles,
a liberdade –
isso o amor não mo pode dar
nem tirar.

Não fico à espera deles,
angustiada à janela.
Quase tão paciente
quanto um relógio de sol.
Compreendo
o que o amor não compreende,
e perdoo
o que o amor nunca perdoaria.

De um encontro até à chegada de uma carta
são só alguns dias ou semanas,
não uma eternidade.

As viagens com eles são sempre tranquilas,
concertos são ouvidos,
catedrais visitadas,
paisagens contempladas.

E quando sete colinas e sete rios
nos separam,
essas colinas e esses rios
podem ser encontrados em qualquer mapa.

Fico-lhes reconhecida
por viver a três dimensões,
num espaço sem lirismo e sem teorias
com um horizonte genuíno e inconstante.

Eles próprios não se apercebem
de quanto guardam nas suas mãos vazias.

“Não lhes devo nada”,
seria a resposta do amor
a esta pergunta aberta.


Wistawa Szymborska
- trad. minha a partir da versão em inglês de Stanislaw Baranczak e Clare Cavanagh