domingo, 8 de setembro de 2013

Charles Francois Daubigny, Les Sablières près de Valmondois, 1872.

Primavera: indomável florescência dentro dos frágeis canais da sede, violência interior da seiva, explosão latente da flora sob a acção centrífuga do sol, carnificina autofágica da terra. Corolas banhadas a ouro e sangue sob a embriaguez dos insectos de lenta combustão, corolas pudicas com as quais a terra se deita abraçando raízes lúbricas, corolas que enegrecem as mãos. Cisternas da noite onde apodrece o orvalho denso da corrupção.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Entra o rio pela janela, e a noite húmida de horizontes enche a casa de aluimentos. Entra o rumor do mundo e o halo tenso dos astros. Tenho a casa suspensa do apagamento, os pés indecisos no umbral. Espero até que a exaustão ganhe raiz.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Uma nuvem tardia pende sobre as nossas cabeças. No cimo da encosta, retraem-se as árvores completamente vestidas: vergarão hoje nos seus fatos de gala, haverá lama entre as folhas, e ramos entupidos de seiva flutuarão no rio. Também eu celebrarei hoje o centro da tempestade com as minhas mãos imprevistas pressionando o vento.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Pieter Brueghel, o velho, Paisagem com a queda de Ícaro, circa 1558

Os campos ontem lavrados são hoje acometidos por dezenas de garças que ciscam os despojos. Quando for eu a fazer a minha razia, terei o cuidado de armadilhar a terra com o que lhes atice as asas. A fome quer-se inflamável.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

O Bom Pastor, fresco da catacumba de S. Calisto, séc. III d.C.

Manhã solar. À beira dos caminhos-de-ferro, digladiam-se em seus jogos de morte flores e mariposas. Nos meus ouvidos, Vivaldi afia as suas facas e, nos campos, o gosto amargo da maturação incensa a Primavera. Pastor, embota o teu cajado.